Carta ao Tempo

Salvador - 1999

Naquela época, a cidade alta era completamente ignorada pelo governo e vivíamos um “país novo” que nunca chegou.

Éramos apenas meninos, em 1937. Meninos abandonados pelos pais e pela vida. Completamente ignorados pela justiça, a não ser quando roubávamos alguém importante, trazíamos nas costas a pobreza, a vida insalubre, uma vaga revolta contra o mundo hostil, a liberdade que encontrávamos nas ruas, a lealdade grupal e uma certa maturidade prematura, que cede lugar a rasgos de deslumbramento infantil e/ou à falta de uma mãe. 

A imprensa era a porta-voz dos nossos problemas, mas o espaço era sempre maior e mais destacado quando se tratava de nos acusar.

A igreja, palco de pessoas boas, nem se apresentava, quando o assunto era ajudar os meninos que moravam no trapiche à beira mar. Acho que a única pessoa verdadeiramente boa naquele lugar era o Padre José Pedro. Esse, sim, parecia se preocupar conosco. Pena que eu era jovem e imaturo demais para entender.

No meu rosto, eu tenho a cicatriz que me faz lembrar a minha primeira vitória, aquela que me fez o líder dos Capitães da Areia. Minha tarefa e, também, única preocupação era conseguir arquitetar os roubos que poupariam uma noite de fome.

Sinceramente, eu gostava de toda aquela liberdade, mas, quando descobri que meu pai fora assassinado por policiais ao comandar uma greve, comecei a pensar que essa vida não me levaria a lugar algum, a não ser a morte. Então, decidi que era hora de começar a pensar no meu futuro.

Nosso bando se separou, quando eu ainda era novo. Não sei o que aconteceu com eles, muito menos se ainda estão vivos, mas confesso que, em alguns momentos, quando estou sozinho, sinto falta daquela molecada. Acima de todas as confusões, tínhamos uma amizade enorme. Hoje, tenho uma vida boa e estruturada, mas, ainda assim, não tenho vergonha de dizer: Eu sou Pedro Bala e liderei os Capitães da Areia.*

*Texto fictício, de autoria própria,  inspirado no livro "Capitães da Areia", de Jorge Amado.

Espero que tenham gostado. Aguardo opiniões, hein!! rs
Beijos,
Helena Dias.